Turismo de base local


Análise reflexiva acerca da relação entre Turismo e desenvolvimento local: bases conceituais [1][[2][1]1]

Para iniciar esta reflexão, concorda-se com o que Cooper (et. al. 2001) relata em sua obra, Turismo, princípios e práticas, sobre algumas percepções que são deslocadas acerca do turismo. Comumente, a atividade está circundada por certos mitos que contribuíram de forma irreal para formação de uma imagem glamourosa.

Para melhor compreensão desse cenário, segue-se sintetizadamente, algumas imagens míticas vendidas e, a realidade empreendida pela atividade turística.

Segundo Cooper (et. al. 2001:36), miticamente acredita-se que, a maioria do turismo é internacional, realizado por meio de viagens aéreas; o turismo diz respeito às atividades de lazer durante as férias; os empregos na área de turismo significam muitas viagens e chance de aprender línguas.

Na realidade, de acordo com Cooper (et. al. 2001:235-236) e baseado em dados divulgados pela Organização Mundial de Turismo (OMT, 2006) e pelo Ministério do Turismo do Brasil (2006), pode verificar-se que, o turismo no mundo é predominantemente doméstico (pessoas viajando no seu próprio país), respondendo por aproximadamente 80% das viagens turísticas. Segundo dados da OMT, no ano de 2005, o Turismo Internacional representou o deslocamento de 5,4 milhões de pessoas em viagens para o Brasil por exemplo, enquanto que, nesse mesmo ano, de acordo com o Ministério do Turismo do Brasil, o Turismo Interno, ou seja, o número de passageiros utilizando-se somente da modalidade de transporte aéreo dentro do próprio país (viagens domésticas), chegou a cerca de 42 milhões de pessoas; o turismo inclui todos os tipos de visitas, incluindo trabalho, conferências e educação. Em 2005, conforme o Ministério do Turismo do Brasil, essas modalidades representaram aproximadamente 33% do montante total das viagens realizadas no país, e por fim; a maioria dos empregos em turismo está ligada ao setor de hospitalidade e envolvem poucas viagens. Um exemplo que fortalece essa ultima afirmação, pode ser verificado com relação aos empregos gerados na rede hoteleira (a qual responde por uma parcela considerável dos empregos diretos criados pelo turismo). A estrutura típica de emprego nesse setor por exemplo, apresenta cerca de 64% dos trabalhadores trabalhando em funções operativas e com pouca qualificação.

A orientação teórico-metodológica deste estudo perpassa pela refutação à visão criada em torno dos mitos turísticos desvelados no quadro acima, e pela consideração de que a atividade turística percorre caminhos abertos por realidades que a aproximam cada vez mais da esfera local. É nesse sentido, que a sua análise na base local ganha envergadura e importância no meio acadêmico.

Outra consideração relevante a ser feita, é a de que a óptica empreendida nessa reflexão assume uma postura em que a realidade nas relações entre turismo e desenvolvimento é diferenciada. Todavia Souza (1997:17) salienta, que as reflexões devem ser sempre retroalimentadas por outros estudos de casos, ou comparativos, que poderão conduzir à situações e respostas distintas.

Talvez o grande desafio desse tema, é o de trabalhar-se com o que ainda não é, portanto, qualquer que seja a resposta que se de a essa indagação deixará lacunas. Porém, é importante avançar-se cada vez mais no interior dessa discussão, para que essas lacunas sejam gradativamente preenchidas com respostas consistentes.

Partindo dessas premissas, não admite-se utilizar a visão onde o desenvolvimento é entendido como o binômio formado pelo crescimento econômico e pela modernização tecnológica, ou seja, desenvolvimento econômico. Portanto, concorda-se com Souza (1997:18), onde o mesmo destaca que o desenvolvimento “deve designar um processo de superação de problemas sociais, em cujo âmbito uma sociedade se torna para seus membros, mais justa e legítima”.

Rodrigues (1997:10) afirma o seguinte, “palavras velhas não servem a coisas novas” em fazer esta afirmação à autora vincula ao vocábulo, desenvolvimento, um significado muito maior do que o tradicional, o das estatísticas, muito desgastado, aquele que se refere ao desenvolvimento como sendo sinônimo de crescimento econômico e de regulação na distribuição de renda. Prosseguindo, a autora relata que não basta um elevado aumento no PIB, divulgado em letras garrafais pela mídia impressa. O que deve ser levado em consideração é que “a economia não é tudo sem eficácia social e aquilo que é cooperativo e associativo não significa necessariamente negação da capacidade de empreendimento” (RODRIGUES, 1997:10).

Portanto, “refletir sobre o desenvolvimento como base local é negar-se a endossar a política e a economia que originam e reforçam assimetrias, que redistribuem muito aos poucos e o pouco a muitos, gerando e reproduzindo pobreza e exclusão” (RODRIGUES, 1997:10).

Nessa linha de raciocínio, o desenvolvimento não deve ser visto somente sob a ótica econômica, mas sim, numa concepção de desenvolvimento sócio-espacial, onde o mesmo deve atender as necessidades para a superação de problemas e conquista de condições que propiciem uma maior felicidade individual e coletiva nos diferentes aspectos, sejam eles culturais, político-institucionais ou espaços constituintes das relações sociais (cultura, economia e política), bem como, o espaço natural e social.

Essa idéia de desenvolvimento social aliado ao planejamento espacial a partir do turismo, é amplamente relatada e discutida em obras como: Turismo e Desenvolvimento Local (1997); Turismo e Geografia: reflexões teóricas e enfoques regionais (1996); Política de Turismo e Território (2002), as quais contemplam pensamentos de autores - como Arlete Moysés Rodrigues, Marcelo José Lopes de Souza, Ireleno Porto Benevides, Adyr Balestreri Rodrigues, Rita de Cássia Cruz, Marcos Aurélio Tarlombani da Silveira, Carminda Cavaco - que balizam seus trabalhos nessa perspectiva.

Portanto, é indiscutível, que na atualidade o turismo deve ser encarado como importante vetor de desenvolvimento com base local, contemplando as potencialidades endógenas principalmente.

Entrelaçando tais concepções às de Cavaco (1996) pode-se constatar que o turismo ligado ao desenvolvimento local, possui plena capacidade de fixar e atrair a população com êxito, no sentido de assegurar melhores condições de vida tendo como aspecto basilar a revitalização e a diversificação econômica do lugar.

Isso somente pode ocorrer se respeitadas as preocupações e orientações centrais presentes no turismo de base local, quais sejam: A manutenção da identidade cultural dos lugares, como próprio fator de atratividade turística; A construção de uma via democrática para desenvolvimento de certas localidades, articulada pelo turismo como fator estruturante de valorização das suas potencialidades ambientais e culturais, com a participação da população local na condução ativa desse processo e, finalmente; O estabelecimento de pequenas escalas de operação e baixos efeitos impactantes dos investimentos locais em infra-estrutura turística ou mesmo nenhuma transformação adicional desses espaços [...] (BENEVIDES, 1997:25).

Não obstante e despido de um caráter político-ideológico e de “localismo”, o turismo com base local pode trazer efeitos favoráveis ao desenvolvimento sócio-espacial, como por exemplo, geração de ocupações produtivas e de renda; desenvolvimento participativo; melhora na qualidade de vida e, preservação da identidade cultural da população.

Para Rodrigues (1997), o turismo enquanto concepção estratégica de desenvolvimento local encontra-se justamente ao nível de micro-regiões, de pequenos territórios, de cidades pequenas e médias, onde são fortemente sentidas as mediocridades de condições de vida, manifestadas no êxodo e na pobreza. Em regiões estagnadas ou carentes são postuladas as atividades turísticas com o propósito de corrigir os desníveis de desenvolvimento, na expectativa de que elas possam oferecer um aumento na geração de renda e empregos, consequentemente, refletindo na melhoria da qualidade de vida da população.

Todavia, de acordo com Cara (1996:92), nem sempre o discurso coincide com a prática: “la complejidad de la vida econômica actual implica la necessidad de observar variados procesos muchas veces contradictorios com los abjetivos primários del desarrollo planteado. Posiblemente el análisis de los circuitos del capital y la posibilidad de fijarlo localmente en proporciones adecuadas al sostenimiento de la actividad sea uno de los principales problemas[3][3]”.

Quando discutem-se os efeitos procedentes da atividade turística e a sua pertinência ao desenvolvimento local, pode-se então fazer a seguinte indagação: quem ganha (ou tende a ganhar) e quem perde (ou pode perder) com esta atividade?

Na tentativa de responder a esta indagação, pode-se delimitar a análise em três grupos principais de indivíduos, quais sejam: a população da área de origem dos turistas; o turista; população da área de destino dos turistas.

Balizado nessa delimitação, o único, ao menos do ponto de vista racional que sai a priori, ganhando, é o turista, pois do contrário, fazer turismo não os estimularia a empreender a atividade.

Por sua vez, a população da área origem dos turistas, pode tanto ganhar como perder. Ganha, na medida em que os efeitos negativos impostos pela atividade, como a degradação ambiental, a exploração sexual de menores de idade, etc., são evitados, esse tipo de turismo social e ambientalmente predatório na área de destino, acabando por se tornar uma válvula de escape, que, além de servir ao turista, poupa a área de origem deste. Pode perder do ponto de vista econômico (pois os turistas estarão gastando seu dinheiro em outro lugar).

Quanto à população da área de destino dos turistas, considerando seu aspecto heterogêneo, pode-se dizer que, certos grupos ou segmentos, como o do capital imobiliário, assim como de agenciadores e cafetinizadores de menores que se prostituem, podem lucrar, enquanto outros grupos (principalmente a população local mais carente), apesar da geração empregos e do incremento na renda local proporcionada pelo turismo, podem ver-se seriamente prejudicados, tendo suas estratégias ou o seu acesso a recursos essenciais ameaçados (SOUZA, 1997).

Portanto, a análise em escala local (respeitada os seus limites), remete ao seguinte esclarecimento, quanto mais frágil socioeconômica e politicamente for um grupo, maior será sua dependência para com recursos de base estritamente local.

Paradoxalmente, as políticas estratégicas de desenvolvimento tendenciam a se associarem aos interesses exógenos ou alheios ao “local”, primando por escalas maiores de análise, e admitindo com uma, onde existem realidades particulares que deveriam ser consideradas. Sendo assim, a capacidade de relocalização espacial nas esferas de macros de análise, muitas vezes, perpassam pela indiferença aos efeitos negativos, ocasionados por um turismo predatório ao “local”.

Para Souza (1997:20), “é necessário, por conseguinte, identificar, em cada caso, os diversos grupos de interesse, manifestos ou latentes, e divisar seus objetivos e estratégias/táticas”.

Valendo-se ainda das idéias do referido autor, sobre qual é a contribuição que o turismo tem no desenvolvimento local, pode-se permear por duas questões basilares:

A primeira é relativa a autonomia, posta como central e atrelada ao desenvolvimento sócio-espacial atende a um disciplinamento do turismo conforme interesses e necessidades de uma coletividade, de tal modo que a mesma possa gerir os seus destinos com autonomia, ou seja, definir prioridades e os meios de concretizá-las. No entanto, há que se terem precauções nesse entendimento, pois a população nunca é homogênea, tampouco o poder é sintético, sobretudo em uma sociedade capitalista periférica. Neste sentido, sem a participação efetiva da população na gestão dos recursos sócio-espaciais de seu município, dificilmente, o turismo tenderá a trazer um desenvolvimento sócio-espacial duradouro.

A segunda diz respeito aos graus de complexidade diferentes, a discussão aí se dirige ao antagonismo criado entre o meio socioeconômico e cultural decorrente do contato irregular de grupos distintos. Poder aquisitivo e cultura semelhantes entre turistas (espaço de origem) e população local (espaço de destino) podem diluir os efeitos negativos procedentes sobre o território/local “receptor”, podendo imergir desse modo, como predominantes, os efeitos positivos.

Entretanto, Souza (1997:21) faz um contraponto a esta lógica afirmando que, “[...] a assimetria de renda e as diferenças culturais podem ser negativas e traumáticas [...]”. Nesse caso, a relação diacrônica entre turistas e população local, gerará a última, problemas de ordem direta (estímulo à prostituição e mendicância) e indireta (elevação de preços no mercado local, por exemplo), comprometendo e prejudicando os habitantes mais pobres. Enfim, pode resultar até mesmo na perda coletiva da auto-estima, ocasionada pelo choque contrastante entre culturas, gerando problemas sociais e psicológicos pela agressão à própria identidade coletiva.
Entrelaçando as assertivas já expostas às de Benevides (1997) com a relação à possibilidade do turismo se constituir em uma alternativa para o desenvolvimento local, pode-se fazer a seguinte análise:

  • O turismo com base local pode representar uma alternativa concreta, em contraposição ao famigerado turismo de massa, que tende a ser um degradador do meio ambiente, descaracterizador de culturas tradicionais, produtor de imagens estereotipadas de um lugar a serem consumidas em larga escala;
  • O turismo pode se constituir em uma medida compensatória dos efeitos economicamente perversos, sobretudo, impostos pelo processo de globalização, o qual promove a hierarquização dos lugares e estabelece uma integração seletiva, ampliando desse modo, as condições de marginalidade nos mesmos.

Seguindo essa linha de raciocínio, inegavelmente constata-se que o turismo como fator de desenvolvimento local é um estilo contraposto às tendências e aos padrões dominantes, o que por sua vez, não é um atrativo para os “dominantes” (poder público e empresários do setor), os quais, comumente direcionam as políticas de incentivo ao setor para a implementação dos denominados mega-projetos.

Entretecidas essas considerações, pode-se dizer então que, se o turismo almeja (através dos diversos atores e agentes envolvidos nessa atividade) um papel de vetor no desenvolvimento local, deverá remeter-se a atender preceitos básicos da sociedade e do ambiente como o respeito aos valores culturais e sócio-ambientais da área de destino da atividade, bem como, conduzir a um aprendizado mútuo enriquecedor e desvanecedor de preconceitos entre a demanda e a população anfitriã. Essas considerações se constituem orientadoras tanto para as áreas onde o turismo se faz presente com mais contundência como também, para áreas que pretendem incentivar/estimular a atividade como alternativa para o desenvolvimento.

Aprofundando a reflexão e valendo-se das palavras de Souza (1997:21): “na medida em que o turismo, em vez de simplesmente se ajustar a uma realidade marcada por heteronomia, disparidades e preconceitos (eventualmente até agravando esses problemas), contribuir para minorar esse quadro, ele estará, sem ressalvas, sendo um fator de desenvolvimento socioespacial”.

Logo, o horizonte “sustentável” almejado pelo turismo, deve compreender uma relação que perpasse harmonicamente pelo desenvolvimento socioeconômico aliado a conservação ambiental. Nessa perspectiva, o turismo na sua base local tem maiores chances de alcançar seus objetivos, sobretudo, se atender as precauções e orientações abordadas nesse estudo.

De acordo com Benevides (1997:30), “o turismo como ‘fator’ de ‘arranco’ para o desenvolvimento local e mesmo indutor de um subseqüente desenvolvimento regional – pelo possível papel polarizador de um lugar, no caso o município – estaria na sua possível conversão em fator estruturante e motor de um desenvolvimento diversificado e sustentado”.

Retomando a problematização inicial que incitou o desenvolvimento desse estudo, qual seja, qual o papel que cabe ao turismo como alternativa para o desenvolvimento local, especialmente em locais onde o turismo ainda é incipiente, não se pode imaginar que haja uma resposta universal à questão.

O que fica evidente, é que do ponto de vista do desenvolvimento, a atividade turística pode promover efeitos antagônicos (tanto positivos como negativos), levando-se em consideração que, ela pode ser altamente impactante - no que tange aos seus efeitos à sociedade e espaço de sua prática - tanto pelo fluxo de pessoas que mobiliza como pelas grandes cifras geradas, dependendo:
  • Primeiramente, do que se entenda por  desenvolvimento;

  • Em segundo lugar, da natureza do turismo em questão, ou seja, seu caráter predatório ou não, o grau de contraste socioeconômico e cultural entre os grupos humanos envolvidos e, finalmente;

  • De quais grupos ou segmentos sociais específicos referentes à área de destino do fluxo turístico se esteja falando.

Referências

BENEVIDES, I. P. Para uma agenda de discussão do turismo como fator de desenvolvimento local. In: RODRIGUES, A. B. (org.). Turismo e Desenvolvimento Local. São Paulo: Hucitec, 1997, p. 23-41.

CARA, R. B. El turismo y los processos de transformación territorial. In: RODRIGUES, A. B. (org.). Turismo e Geografia. São Paulo: Hucitec, 1996, p. 86-93.

CAVACO, C. Turismo rural e desenvolvimento local. In: RODRIGUES, A. B. (org.) Turismo e Geografia: reflexões teóricas e enfoques regionais. São Paulo: Hucitec, 1996. p. 94 - 121.

COOPER, C. et. al. Turismo, princípios e práticas. trad. Roberto Cataldo Costa. 2. ed. Porto Alegre: Bookmann, 2001.

CRUZ, R. de C. Política de Turismo e Território. São Paulo: Contexto, 2002.

RODRIGUES, A. B. Turismo e Desenvolvimento Local. São Paulo: Hucitec, 1997.

________, A. B. Turismo e Geografia: reflexões teóricas e enfoques regionais. São Paulo: Hucitec, 1996,

SOUZA, M. J. L de. Como pode o turismo contribuir para o desenvolvimento local? In: RODRIGUES, A. B. (org.). Turismo e Desenvolvimento Local. São Paulo: Hucitec, 1997, p. 17-22.

Brasília: Anuário Estatístico EMBRATUR – 2006. Ministério do Turismo/ Instituto Brasileiro de Turismo/Diretoria de Estudos e Pesquisas, 2006. v. 33 236p. Dados de 2005